Rio-me. Choro. Fico um bocado histérica. Acalmo-me. Esqueço tudo o que alguma vez me aconteceu. Penso em tudo. Aquilo que já aconteceu vezes sem conta. Observo-me ao espelho. Aprecio-me ao espelho. Apetece-me partir o espelho. Dispo a roupa e começo a dançar. Dispo a minha roupa e atiro-a para o chão. Ponho tudo de pernas para o ar. Deixo tudo onde está para que outra pessoa arrume. Apercebo-me de que afinal de contas sou sempre eu quem arruma tudo. Canto muito bem. Canto mal. Como coisas que não devia comer. Dobro-me e observo os meus músculos. Deixo de me dobrar e reparo nas minhas cicatrizes. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse loura. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse ruiva. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse velha. Pinto-me como nunca o faria se fosse para a rua. Experimento roups que nunca vestiria em público. Olho para os meus seios. Imagino-os maiores, mais pequenos, mais arredondados, mais firmes, menos firmes, mais bonitos, mais feios. Aceito os meus seios como eles são. Escondo-me. Respondo às pessoas e ganho. Tenho fantasias em que a estrela sou eu. Estico a pele da minha cara e imagino-me diferente. Pergunto-me se deveria fazer uma operação plástica. Esqueço a operação plástica e penso em algo muito mais barato. Grito comigo própria. Perdoo-me. Ensaio aquilo que irei dizer amanha. Aumento o volume do rádio para não ouvir nada. Abro a torneira da água para não ouvir o rádio. Perco-me. Imagino-me numa ilha deserta. Imagino-me numa ilha deserta, mas com outras pessoas muito atraentes. Rezo. Procuro os meus defeitos. Aceito esses defeitos e procuro outros. Faço caretas ao espelho. Vejo como é que fico com ar sedutora, de amuada, de zangada, de supreendida, de chocada, de impressionada, absorta. Tiro as alianças da vida. Olho para mim nua. Olho para mim e gosto do que vejo.
Sem comentários:
Enviar um comentário